terça-feira, 30 de junho de 2009

Os sonhos realizados do poeta maranhense José Chagas

Artigo publicado no jornal "O ESTADO DO MARANHÃO"
no dia 28/06/09


Nauro Machado

Especial para o Alternativo


Como pela mão de um Bilac a
quem coube, longe do bulício
das ruas, o milagre da mais alta
poesia a vir rolando após
para as congeminadas mãos
molhadas com o sangue de
Cristo, o que ocorreu com o genial
Jorge de Lima, e à semelhança
de um Xavier de Maistre
a viajar pelo mundo em volta
do seu quarto, ou de um Amiel
a revolutear em torno dos infindáveis
problemas estéticoexistenciais
expostos no seu
“Diário Íntimo”, o poeta José
Chagas, há muito sabedor de
que “a melhor viagem é a de
quem fica “, escreve milhares e
milhares de versos, longe do
bulício das ruas, e no refluir das
ondas humanas de uma reclusa
praia a inexaurir-se jamais,
graças ao inesgotável das suas
invisíveis marés.
Longe pois, já agora muito
longe dos ruídos azucrinantes
das ruas onde outrora retumbaram
hinos - por ele ainda
ouvidos no mirante da sua
memória e nos becos e praças
por onde também absorveu
mimeticamente a voz do povo
trazendo-lhe a soma fenomenológica
do mundo -, o poeta
José Chagas, no desvelamento
cada vez maior daquela Esfinge
sentada sobre um trono de
pó ou eternidade, navega
solitário pelas águas heraclitianas
de outros oceanos, com
os ouvidos atentos ainda à
Odisséia dos seus pés andando
sempre sobre o calcinado chão
da sua Piancó natal, de onde,
pelos seus olhos outrora enxutos,
já fazia crescer as águas de
um açude a também espraiarse
após pelas águas do litoral
maranhense.
Não posso agora, apesar de
saber que navegar é preciso, no
ensinamento daquele poeta
com o qual Chagas divide tantas
coisas afins e não necessariamente
comuns, recapturar aqui
o somatório de todos os livros
por ele publicados, na infinitude
temporal de suas páginas, pelo
trabalho ininterrupto dos dias e
das noites com que - repito - no
mirante e nos quartos da sua vida,
intactos e parados no ar, e
vivendo-os à maneira monástica
do autor de ‘ A última canção
do beco”, escreveu sua verdadeira
biografia, escoimada da
circunstancialidade transitória
das coisas vãs, no balbucio inócuo
das vozes com subalternos
propósitos e ruídos.
Pois Chagas, exemplo de
solitário homem coletivo,
sabendo que em si subjaz a incoercível
necessidade ética a
mover e abrigar o cidadão
exemplar que ele é, constrói, simultânea
e paralelamente,
uma obra verbal de recolhida
prece, na solicitude de um verbo
ofertado à solidão de quem
sempre soube habitá-lo com a
limpeza do seu másculo compromisso
social, sem omitir contudo,
para vergastar-lhes os
crimes, aquilo que sabe perpetrado
pelas mãos e bocas de
homens, “privados e públicos”,
que melhor fora se já amputados
estivessem até mesmo
daquilo que as próprias feras repeliriam
em suas garras ou bocas
sem verbo.
Seu último livro, este “Sonho
irrealizado”, que vem somar-se a
mais de dez outros títulos também
inéditos, comprova sua inexaurível
força criadora, sem
tréguas ou possível solução, no
afrontamento daqueles problemas
que constituem o centro da
privacidade iniludível a cada ser
humano: a solidão e o amor, a fé
ou a descrença em Deus, a infância
e a velhice, o chão natal e o
exílio, com a repetição obsessiva
dos seus símiles mais recorrentes,
feitos pela junção antitética
do interior com o exterior,
do próximo com o longínquo,
o que se pode observar sobretudo
em alguns dos seus
passos antológicos, como neste:
“ o mar está longe,
mas seu existir nos banha.”

Ou ainda na quase totalidade
do seu “Os Canhões do silêncio”,
cujos versos ecoam como ecos de
uma história coletiva apreendida
e contada pelo silêncio de quem
se sabe ser a própria voz do seu
destino pessoal, acrescida pela
invulgar capacidade que o faz, na
introjeção do seu abissal silêncio,
ressuscitar os sons e as vozes da
nossa verdadeira História.
José Chagas, neste “Sonho irrealizado”
atinge em seus versos
o necessário apaziguamento de
uma sede de solidão somente saciada
quando na mesa posta para
a refeição de todos.
E essa refeição de todos, onde
a morte ocupa a cabeceira da
mesa, faz-se o alimento maior e
mais necessário para todos nós,
que temos o privilégio de privar
com essa lavoura azul de um
homem que trouxe, desde que
aqui aportou anos depois, vindo
do seu chão paraibano, a “cachorra
da poesia “, como disse em seu
discurso de posse na Academia
Maranhense de Letras.
Sou um homem feliz por
haver convivido tão proximamente
com o poeta José Chagas,
esse José sem chagas, exceto as
Chagas do Verbo com que vem
ainda agora dar continuidade a
uma das mais altas vozes da poesia
brasileira contemporânea.
E com que alegria da mais pura
tristeza, li nesse livro as estrofes
sobre o nosso grande pintor
Antonio Almeida, as quais se constituem
na mais límpida e verdadeira
biografia de quem, como
esse querido pintor, soube ver
ainda em vida, com os seus olhos
finais de cego, a verdadeira luz da
eterna vida presente apenas na
presença de Deus.

NauroMachado é poeta

Nenhum comentário: