José Chagas
Não faz mal que eu repita um assunto que não deixa de ser sempre o mesmo, de ano para ano, como é o que trato nesta crônica que escrevi há duas décadas:
Amanhã é o dia das Mães. Todos sabem disso. E eis um assunto que finalmente nos leva aos mais irritantes lugares-comuns. Se as mães não fossem os seres humanos de maior paciência do mundo, acredito que elas já não suportariam o fraseado vazio e os versos nem sempre sinceros que lhes são dedicados, todos os anos, nessa data.
A propósito, lembro-me de uma mocinha que, certa vez, me pediu uma frase para, por meu intermédio, homenagear a genitora, no Dia das Mães. Vejam bem que a frase já não partiria dela, mas de mim. O mais importante, no caso, que era o próprio sentimento da moça, ficaria de fora, sem nada a ver com a má literatura que eu pudesse engendrar, na ocasião. Eu teria que interpretar seu amor pela mãe. E o pior é que ela queria uma frase que fosse diferente de tudo quanto já se houvesse dito sobre o assunto.
Era realmente uma tarefa difícil e ingrata essa que nos cansa a mente e acaba nos levando a pensar em nomes de mãe, sob diversos aspectos. Acho que vocês me entendem. O fato é que tentei várias idéias em torno daquela mãe que eu não conhecia, e tudo resultava sempre numa frase tola e, portanto, abaixo do merecimento de qualquer mãe. Mas a moça queria porque queria, e eu tinha de por força parir a frase para a distinta mãe que a pariu. Várias tentativas mais e tudo inutilmente. Como ser original naquilo que todo mundo já vem dizendo, há anos? Cansado de tanto esforço, resolvi falar à moça: - Já que você ainda tem mãe, você não acha que é melhor ter mãe do que uma frase para o Dia das Mães? Disse isso para ver se ela desistia da idéia e me dispensava da tarefa. Pois a moça entendeu que eu havia acabado de inventar por fim a frase que ela queria: - “É melhor ter mãe do que uma frase para o Dia das Mães.”
Como vocês estão vendo caí na armadilha, visto que, no caso, eu não pude negar uma frase senão com outra frase. E a moça ficou feliz, porque tinha agora as duas coisas: além da mãe contava também com uma frase para o Dia das Mães, embora para mim fosse uma não-frase. E a conclusão a que cheguei é que, na verdade, mãe nenhuma escapa da literatice de circunstância, principalmente da que se faz para efeito comemorativo de uma data que já se tornou mais comercial do que sentimental.
Em geral, os comerciantes se apressam em investir no coração das mães, sabendo que é um investimento com lucro garantido, líquido e certo. E têm suas razões. São eles que, todos os anos, nesta fase, ganham dinheiro com as mães de outros. De modo que o sentimento materno motiva não só a literatura sem interesse, mas também a publicidade interesseira. Coração de mãe vende bem, ainda que não seja um órgão venal. E para muitos lojistas, aquele que, numa data assim, não compra um presente caro para a mãe, não é um bom filho, mas apenas um filho-da-mãe. Eles medem o amor filial pelo preço do presente. Jamais saberão a diferença de valor entre um presente caro e um carinho.
Por tudo isso é que prefiro, no Dia das Mães, deixar as mães de lado e falar nos filhos. Quando se fala em mãe é porque há filho na jogada. É evidente que, a rigor, não há mãe sem filho, mas, por outro lado, sabemos que há por aí muitos filhos sem mãe, os chamados menores abandonados, alguns dos quais nunca viram mães na vida e até pensam que nasceram sem precisar disso. São, portanto, filhos de ninguém ou de quem se nega a ser alguém, e creio que esse fato merece um pouco de meditação no dia consagrado ao sentimento materno. Enfim o amor materno não é um mito como já houve quem pensasse, ao considerá-lo em épocas remotas. Mães e filhos são verdades.
Sempre se costuma, na data, fazer uma bonita homenagem a determinada mãe que teve o maior número de filhos, passando ela a ser vista como a mãe do ano. Mas não se vê quase nada no sentido de fazer algo em favor do maior número de filhos que não conhecem mães. No entanto, do meu ponto de vista, os menores abandonados é que dão um sentido particular ao Dia das Mães, pois onde andam essas mães que, tendo um dia tão especial, não parecem dar-lhe importância alguma, assim como também ninguém se ocupa pelo menos em lembrá-las? Em que mundo estão elas escondidas?
Afinal esses filhos não têm a quem dar presentes e muito menos têm com que comprá-los, motivo por que se acham completamente fora do esquema estabelecido para os hábitos de uma sociedade da qual são apenas refugo humano. Na verdade são produtos de uma estrutura social vesga, desviada de seus fins, de suas razões humanas, de sua formação cristã, No fundo a grande mãe deles, ou melhor, a terrível madrasta é a própria sociedade que os abomina por terem escapado de ser abortos e vivem nas ruas perturbando a vida dos que são tidos como bons filhos.
Forçados ao abandono, ao roubo e à delinqüência, pergunta-se: - que poderão pensar, no festejado Dia da Mães, esses filhos de uma impiedosa e remota “mãe gentil”, se é que essa data chega ao conhecimento deles? É até bom que não chegue para que algum menor assaltante não queira justificar o seu ato alegando que está em busca de presente para a mãe que nunca teve. Pois com esse espírito é que se comercializa a data, esquecendo-se de que o importante não é preocupar-se com os que devem dar presentes às mães, mas com aqueles que gostariam de ter as mães presentes. Ocorre que, para os comerciantes, esses menores são apenas os adões atuais, sem fins lucrativos. Lembrem-se de que Adão nasceu sem mãe. Um sujeito comercialmente sem valor, num dia como o de amanhã. E se Adão não teve mãe, Eva não teve sogra. Entretanto, nos dias de hoje, vemos genros matando sogras e filhos matando mães. Não foi esse o mundo Deus criou.
(Crônica publicada em O Estado do Maranhão)
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